No dia em que completou 45 anos de sua prisão, reportagem especial relembrou a história envolvendo o assassino em série que provocou a maior caçada policial já registrada na região
Entre o final da década de 70 e início dos anos 80, o Alto Uruguai se tornou palco de atuação de um dos maiores assassinos em série da história do Rio Grande do Sul. Responsável pelas mortes de cinco crianças e um adulto, Luiz Baú trouxe medo para a região e desencadeou uma das maiores caçadas policiais já registradas em Erechim.
Com informações extraídas da dissertação de mestrado ‘O "monstro de Erechim": um estudo de caso sobre o imaginário do medo (1980)’, de Humberto José da Rocha, defendida no programa de Pós-Graduação em História da universidade de Passo Fundo no ano de 2007 e posteriormente transformada em livro, a reportagem relembra os crimes, o clima de terror instaurado na cidade e a busca ao serial killer, que culminou em sua prisão em 21 de fevereiro de 1980, há 45 anos.
Durante o inverno de 1974, chegou em Linha Jubaré, interior do município de Itatiba do Sul, um homem fisicamente forte, aparentando 40 anos, conhecedor da vida no campo e um mateiro muito hábil, com exímio conhecimento em caça e pesca, foi acolhido pela família de Maria Zarpelon, viúva e mãe de 17 filhos, porque os pais de Baú, residentes na comunidade de Sete Lagoas, no mesmo município, eram conhecidos de seus pais.
Trabalhador esforçado, eficiente, simpático e prestativo, de poucas palavras e sempre calmo, logo conquistou a confiança da família. Como também atuava como curandeiro, se aproximou de um dos filhos de Maria, o jovem Francisco Zarpelon, na época com 12 anos e que sofria de asma.
A amizade entre os dois foi se fortalecendo e em certa data Baú discutiu com um professor após a solicitação para que a mãe verificasse o menino devido a um surto de piolhos na escola. O embate ganhou repercussão na comunidade e o curandeiro também discutiu com um ministro da igreja. Um irmão de Francisco retornou do serviço militar e levantou a hipótese de que Baú poderia estar abusando do menino, já que passava muito tempo com ele pelas matas e rios.
Após uma reunião, a família decidiu que tentaria mandar Francisco estudar num Seminário da Igreja Católica, em Garibaldi/RS.
A primeira morte
Chegou o verão e no dia 26 de fevereiro de 1975, Maria encarregou Francisco de buscar farinha de milho em um moinho da comunidade e passar na casa de parentes. No meio da tarde Francisco partiu a cavalo para o moinho e sua mãe informou Baú de que o garoto iria para o Seminário e ele disse que, então, também iria embora.
A noite caiu e Francisco não retornou para casa. Na manhã seguinte, um irmão de Francisco foi até a casa dos parentes que Francisco visitaria, imaginando que ele poderia ter pernoitado lá. No caminho, encontrou Luiz Baú e este lhe disse que não havia visto o jovem. Descobriu que Francisco passou pelo moinho, mas não apareceu na casa dos parentes. Na mercearia, descobriu que o menino havia sido visto com Baú e mais tarde encontrou o cavalo usado por Francisco troteando sozinho. Nos arreios, marcas de sangue.
Corpo encontrado
A comunidade se mobilizou e iniciou buscas pelo garoto. No segundo dia, a polícia de Aratiba foi acionada e passou a auxiliar na procura enquanto também tentava localizar o curandeiro, que também havia desaparecido.
Em um dos encontros para as buscas, a comunidade notou movimentação atípica de cachorros há beira da cerca de uma horta, nas proximidades de uma casa. Ao verificaram, encontraram o corpo de Francisco, com marcas de agressão e enrolado em um pano de malhar feijão.
A primeira prisão
Dois dias depois, a polícia prendeu Luiz Baú, quando ele tentava chegar na casa de uma irmã, na Comunidade de Sete Lagoas. Ele foi encaminhado para exames no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso, em Porto Alegre, onde foi diagnosticado como esquizofrênico e ficou internado por 11 meses. Após, voltou para o presídio de Erechim e também foi condenado por furto e agressão. Na época, conforme a legislação, cumpriria cerca de cinco anos de pena e depois seria transferido para uma unidade psiquiátrica.
Preso exemplar
No presídio de Erechim, Luiz Baú se destacou como preso exemplar e montou uma horta capaz de alimentar todos os outros detentos (entre 70 e 80). Na dissertação de Humberto José da Rocha, o autor cita entrevista com um brigadiano que realizava guarda no presídio e descreve Baú como “um senhor muito trabalhador, parecia ser um senhor muito honesto, distribuía verduras, fazia canteiros, adubava, trabalhava que nem um louco”.
Outro brigadiano que também trabalhava no presídio diz que Baú tinha acesso ao local de descanso dos guardas e “arrumava cama, varria, pendurava os capotes nos lugares certinhos e às vezes, chegava até a secar as capas de chuva dos guardas que chegavam do posto para o descanso”.
Mas a fachada de detento exemplar começou cair quando ele passou a ameaçar os irmãos de Francisco por intermédio de familiares que visitavam um detento conhecido dos Zarpelon.
A fuga da prisão
O prisioneiro Luiz Baú também trabalhava na Colônia Penal que existia nas proximidades de onde hoje é o Parque de Exposições da Accie e em uma chácara do então diretor do presídio, no bairro Aeroporto, supostamente, sem autorização judicial em ambos os casos e em 20 de janeiro de 1980 o preso foi levado para trabalhar na chácara e fugiu por volta do meio-dia. A partir daí, iniciava uma das maiores caçadas a criminosos já registrada no Alto Uruguai.
Começa o terror
No dia 12 de fevereiro, por volta das 16h, a mãe de Jandir Moreira Cardoso, de 12 anos, trabalhava no parreiral da propriedade no KM 25 de Vila Áurea, distrito de Gaurama e hoje município, pediu ao filho para que fosse comprar velas e fósforos. A noite chegou e o menino não retornou para casa. Buscas iniciaram e no meio da tarde do dia seguinte o corpo de Jandir foi encontrado em uma área de vegetação rasteira após uma roça de milho. Conforme o laudo de necropsia, a vítima havia sofrido abuso, foi degolada e teve os órgãos genitais amputados. Era a primeira vítima de Luiz Baú desde sua fuga.
Dois desaparecimentos
O criminoso seguiu em direção a Erechim e alcançou a comunidade de Rio Tigre. Na manhã do dia 15 de fevereiro os amigos Gelson Ribeiro, 11 anos, Paulo Grando, 08 anos, montados em um cavalo, foram conduzir algumas cabeças de gado pertencentes a uma vizinha até um potreiro distante cerca de um quilômetro da casa. Naquele dia, nem os meninos nem o cavalo voltaram para casa. As buscas iniciaram no final da tarde e se estenderam pela madrugada.
Duas mortes
No começo da manhã de 16 de fevereiro a mãe de Paulo encontrou o filho e Gelson mortos próximos a uma plantação de eucaliptos pertencente a uma construtora. A polícia foi acionada e constatou o mesmo modus operandi usado no assassinato de Jandir e intensificou a caçada ao agora denominado serial killer. Conforme depoimentos da época, especula-se que Baú não teria fugido, mas, de longe, acompanhado as buscas e a movimentação policial.
Sobrevivente
O assassino em série então, usando caminhos secundários, se deslocou em direção à cidade e no caminho, na altura do Povoado Argenta, teria tentado matar um menino de 11 anos. Segundo contou o garoto, por volta das 18h30, ele estava no interior de uma olaria, foi lavar as mãos após o trabalho e um homem mancando e com um saco nas costas avançou em sua direção. O jovem correu até o trator onde estava seu pai e relatou o ocorrido. O pai procurou pelo indivíduo, mas não o localizou. A foto de Luiz Baú foi mostrada para a vítima, que o reconheceu como o indivíduo que tentou lhe atacar.
Morte do chacareiro
Na noite do dia 16 de fevereiro, Baú chegou à chácara do diretor do presídio. Lá encontrou o chacareiro Aparício Bueno, com quem tinha desavenças da época em que trabalhou no local, enquanto detento. O encontro resultou na morte de Aparício, que, de acordo com o laudo de necropsia, sofreu cortes no pescoço, nas mãos e nos braços. Na chácara, Baú ainda roubou roupas, comida, uma espingarda calibre .32, um revólver calibre .22 e munições.
Por terra e ar
Nesse momento, policiais de toda a região participavam das buscas. Além disso, a Secretaria de Segurança do Estado havia enviado armas e agentes de outros municípios do Estado para reforçar. O Aeroclube de Erechim chegou a ceder um avião para busca aérea e além da Brigada Militar e Polícia Civil a procura por Baú contava com integrantes do Corpo de Bombeiros, Polícia Rodoviária e populares em grupos armados. O sistema montado mantinha rodízios de 24h. Patrulhas trabalhavam seis horas e folgavam 18 horas, mas conforme a situação evoluía, chegaram a passar uma noite inteira nas buscas.
Avistado na Transbrasiliana
No dia 21 de fevereiro a polícia recebeu telefonema informando que Baú havia sido visto transitando pela Transbrasiliana. Uma patrulha com sete policiais militares foi enviada e em um armazém a equipe foi informada que o suspeito havia comprado bolachas e refrigerante. Dois populares, tendo reconhecido Baú, começaram a segui-lo de longe até que a polícia chegasse. Os brigadianos encontraram a dupla que contou, Baú estava descansando e comendo em um valo.
“Tá aqui ele”
Os policiais iniciaram as buscas até que um gritou “tá aqui ele”. O fugitivo correu por uma lavoura de soja e os relatos apontam que foram disparados cerca de 40 tiros contra ele, mas nenhum o atingiu. Ele se embrenhou em um pequeno bosque, foi cercado e, naquele momento, reforços já estavam a caminho.
Troca de tiros e luta
Conforme entrevista usada na dissertação, um dos policiais entrou no bosque para tentar fazer Baú sair e efetuou cinco disparos de revólver, sendo que um atingiu o fugitivo de raspão no pescoço. O fugitivo então parou e atirou contra o militar. Ambos entraram em luta corporal e o policial sofreu um corte de faca na coxa. Baú recebeu uma coronhada na cabeça, teria caído e seguiu lutando até que foi dominado com auxílio do restante da equipe.
Iminência de linchamento
Luiz Baú foi levado para as dependências do 13º BPM. Uma multidão se reuniu no local gritando “tem que matar”, “não merece viver” e segundo a polícia, a tensão era tão grande que acreditam, Baú esteva na iminência de ser linchado e ele foi retirado de lá pelos policiais. Foi levado para o Hospital de Caridade e, devido a nova ameaça de linchamento, foi transferido no mesmo dia para o Instituto Psiquiátrico Forense, em Porto Alegre.
Nova fuga
No dia 30 de junho de 1980, menos de cinco meses depois de ter sido capturado Baú, junto com outros quatro internos, fugiu do Instituto Psiquiátrico Forense. Eles teriam estourado o cadeado de um dos portões do local. O serial killer foi o único a não ser recapturado e desde então, seu paradeiro é desconhecido. No ano de 2005 os crimes cometidos por ele tiveram suas prescrições em lei.
Medo e tons sobrenatural
O medo e a sensação de insegurança se instauraram em Erechim, que na época tinha aproximadamente 60 mil habitantes, e região. Pais recolhiam seus filhos para dentro de casa e pouco se via crianças nas ruas. No entardecer, as residências tinham as portas e janelas trancadas e só voltavam a serem abertas no dia seguinte.
Informações sobre o suposto paradeiro de Luiz Baú chegavam de todos os lados para a polícia e eram verificadas e a maioria acabava atrapalhando a investigação por serem inverídicas.
Alguns relatos transcritos na dissertação ‘O "monstro de Erechim": um estudo de caso sobre o imaginário do medo (1980)’, deram um tom sobrenatural ao assassino, como o dado por um policial militar e relatado abaixo (foi mantida a transcrição fiel das palavras).
“Eu vi uma cena dele que ele era um monstro mesmo. Aqui no Aeroporto nós fomos chamados para capturar ele pois tinham visto ele tentar pegar um menino e o menino fez um gritedo. Então os vizinhos se juntaram para pegar ele e ele entrou num terreno que não tinha nenhuma casa, era cheio de rabo de burro e capoeira assim. Daí o pessoal cercou a quadra e chamou nós para pegar ele que estava dentro daquele matagal. E o pessoal que tava perseguindo ele ali era civil que morava lá perto, e acabaram botando fogo ao redor daquele mato para queimar ele. O que o Baú fez? Ele foi para o centro da capoeira e arrancou uma roda de 5-10 metros de capoeira pro fogo não chegar nele. Quando nós chegamos que nós não ia entrar no fogo, esperamos o fogo baixar, fomos entrar pra pegar o Baú. Quando chegamos na roda pra pegar ele tinha só um cachorro sentado naquela roda. Ninguém deu bola praquele cachorro e ele saiu daquela roda e desceu pro lado do parque dos Poletto ali, de repente quando o cachorro sumiu assim passando uma massega, no vulto do cachorro veio o Baú assim correndo para o mato, e nós fomos atrás dele e ele se embrenhou nos mato do parque dos Poletto e nós procuramos ele toda a noite e não encontramos mais [...] Não sei se ele se transformou no cachorro, mas que ele não tava no meio do fogo, só o cachorro, e no rumo do cachorro depois ele apareceu e o cachorro ninguém mais viu, isso é certo. [...] no dia seguinte ele matou o Aparício que era ali perto. Ele era realmente um monstro, eu vi com os meus próprios olhos. [...] aquele dia no aeroporto me assustou bastante”.