Manifestante segura cartaz com os dizeres 'Abolir a polícia', durante protesto em Toulouse (sudoeste)
CHARLY TRIBALLEAU / AFP - 05.07.2023
Cidadãos revoltados com o assassinato, pela polícia, de Nahel M., um adolescente de 17 anos, pedem o fim da violência policial
Os protestos que vêm ocorrendo na França desde o último dia 27 de junho, em consequência do assassinato, pela polícia, de Nahel M., um adolescente de 17 anos que não parou em uma blitz em um subúrbio de Paris, estremeceram ainda mais o governo de Emmanuel Macron. O presidente francês já vinha desestabilizado desde os protestos contra a reforma da Previdência, em março de 2023, quando centenas de milhares de pessoas foram às ruas — ou até antes disso. É o que afirmam internacionalistas ouvidos pelo R7.
Segundo o professor de Relações Internacionais Luiz Felipe Osório, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Macron assumiu o segundo mandato como presidente já desestabilizado, em 2022. O chefe de Estado veio de um primeiro mandato conturbado e com baixos índices de aprovação.
Osório relembra que o embate foi acirrado entre os três candidatos: Macron, representante de uma direita moderada; Jean-Luc Mélenchon, que já foi de uma ala mais radicalizada da esquerda e hoje tenta moderar o discurso para ter chances eleitorais; e Marine Le Pen, figura que há tempos simboliza a extrema-direita na França.
As eleições foram ao segundo turno entre Macron e Le Pen, que foi decidido por 58% a 42%. Mas, apesar da vitória nos números, muito marcada pela alta rejeição à opositora Le Pen, "Macron já venceu derrotado", para o professor da UFRJ.
"Era de se esperar que Macron faria um governo muito enfraquecido e sem forte apelo popular, com risco de ser pior do que o primeiro", afirma Osório. "A isso, somam-se as insatisfações populares que só aumentam com as saídas neoliberais (para a crise do próprio neoliberalismo), como a Reforma da Previdência."
O professor de Relações Internacionais Márcio Coimbra, da Faculdade Presbiteriana Mackenzie de Brasília (FPMP), concorda com Osório no que diz respeito ao enfraquecimento do governo Macron. Para ele, isso se deve ao fato de que o mundo vive uma época de polarização política.
"É natural que um governo mais centrista, que esteja longe dessa briga polarizada entre os dois lados, saia desgastado", diz Coimbra. "Ele não consegue agradar nem um lado, nem o outro."
Luiz Felipe Osório, da UFRJ, acredita que, "sem dúvida", a intensa mobilização popular dos últimos dias pode ser atribuída a uma insatisfação popular que vem desde a aprovação da reforma da Previdência. Ele ressalta que o mundo ainda está sentindo o rescaldo da crise global de 2008, provocada pelo neoliberalismo e acentuada pela pandemia. Logo, existe uma repulsa muito grande em relação à políticas neoliberais, como a reforma que Macron não conseguiu aprovar.
Já o colega de profissão e professor do Mackenzie, Márcio Coimbra, tem opinião contrária. Ele acredita que os franceses têm a tradição de protestar e tomar as ruas sempre que surge alguma questão que afeta negativamente a sociedade. A capacidade da França de realizar grandes mobilizações populares é uma característica marcante do país.
Críticas de Macron aos protestos
Macron vem criticando duramente os protestos dos últimos dias, e até mesmo atribuindo a violência nas manifestações a fatores como o uso de videogames e das redes sociais. Ele falou, inclusive, sobre a possibilidade de "regulamentar" ou até mesmo "cortar" as redes sociais pontualmente, em casos mais extremos. O presidente anunciou também que pretendia multar os pais de adolescentes que participaram dos protestos. Ambos os posicionamentos foram criticados pelos cidadãos.
Para a jornalista Pauline Bock, colunista do jornal britânico The Guardian, Macron não enfrenta a violência policial na França "porque sabe que seu poder depende disso". Ela ressalta que, até o momento, uma "resposta judicial rápida, firme e sistemática" contra o policial que matou Nahel foi a única atitude do governo ao crime que causou indignação na França.
Em coluna publicada nesta quarta-feira (5), a jornalista afirmou que "o regime de Macron 'trabalha com a polícia' e governa com violência" desde o início da crise dos coletes amarelos [ativistas que militam contra o aumento do combustível], em 2018. À época, 24 manifestantes perderam um olho e cinco perderam a mão devido às armas da polícia.
"Desde então, ativistas climáticos, estudantes do ensino médio, feministas, operários em greve, ferroviários, bombeiros e o recente movimento social contra a reforma previdenciária de Macron, foram todos reprimidos pela brutalidade policial. Mas, de acordo com o ministro do interior de Macron, Gérald Darmanin, 'violência policial não existe'", escreveu.