O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante cerimônia de posse no cargo
FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL - 2.1.2023
O Litígio Zero foi anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na última quinta-feira (12)
O novo programa de renegociação de dívidas apresentado pela equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode não ser o ideal para reverter a situação de déficit da União, dizem especialistas. O Litígio Zero, que faz parte de um pacote de medidas para conter o saldo negativo de R$ 231,5 bilhões dos cofres públicos, foi anunciado por Fernando Haddad, ministro da Fazenda, na quinta-feira (12) e publicado no Diário Oficial da União no dia seguinte.
O projeto prevê o parcelamento de dívidas com o governo federal e guarda semelhanças com o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), cuja primeira edição foi instituída em 1999, durante o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Durante a apresentação do pacote, no Ministério da Fazenda, Haddad e o restante da equipe negaram que o Litígio Zero seja um novo Refis. Especialistas ouvidos pelo R7 avaliam que o antigo programa seria mais adequado para atender os anseios do governo — Lula quer terminar o ano com saldo positivo nas contas federais.
É o que aponta o advogado tributarista Guilherme Elia. "Entendo que, para o objetivo anunciado de aumentar a receita, o Refis seria mais apropriado, justamente porque é mais amplo e permitiria a adesão de um número muito maior de contribuintes, incluindo grandes empresas com altos débitos em discussão administrativa ou judicial", afirma.
Para o jurista, as vantagens do Litígio Zero são limitadas. "O programa beneficia basicamente pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte, porque são os que tiveram as melhores concessões de descontos, que chegam a anistia completa de multas e juros, desde que observado o limite total de 65% da dívida total atualizada", explica.
Para as empresas de médio e grande porte, de acordo com o especialista, o benefício é pequeno, pois não haverá descontos, apenas parcelamento com incidência de taxas sobre cada parcela. "Nesse caso, não há muita novidade", completa Elia.
O professor de economia Cesar Bergo diz que, apesar da distância que o governo quer manter da modalidade antiga, há semelhanças. "Esse tipo de situação, com dispensa de multa e parcelamento, é estrutura do Refis. O novo programa permite que o contribuinte faça os acertos e fique em dia com a Receita em relação aos tributos, assim como o Refis", analisa.
Murilo Viana, especialista em contas públicas e consultor da GO Associados, explica a relutância de Haddad em comparar o Litígio Zero ao Refis. "O Refis é alvo de estigma e é malvisto, não pelos contribuintes, mas por quem avalia as políticas fiscais", afirma.
"Uma coisa é ter Refis vez ou outra, mas os governos têm feito com muita frequência. É tido como uma forma de premiar o mau pagador", comenta Viana.
Viana argumenta que há consequências negativas a longo prazo com esse tipo de programa. "[A renegociação de dívidas] ajuda a melhorar a arrecadação do governo no curto prazo, mas pode deteriorar a arrecadação a longo prazo, justamente porque incentiva as pessoas e as empresas a não pagarem os impostos em dia. Não por má-fé, mas porque precisam de crédito, que tem acesso estreito no país, então muitos acabam postergando o pagamento de dívidas", completa o especialista.
Por isso, o Litígio Zero tem caráter de solução provisória, para o especialista. Murilo Viana afirma que o governo precisa definir novas diretrizes permanentes para a economia.
"Há o desafio grande de apresentar a nova âncora fiscal ainda no primeiro semestre. Há expectativa de novas medidas, porque muitas das que foram anunciadas têm efeitos temporários. É preciso um ajuste fiscal estrutural, não só de um ou dois anos, mas com mudança de trajetória dos gastos", afirma.
Para ele, a principal relevância das medidas anunciadas por Haddad — entre as quais o Litígio Zero — é a demonstração de que o novo governo está preocupado com o déficit primário e a questão fiscal. O aceno tem peso, principalmente, após a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) do estouro, que permitiu furo no teto de gastos para bancar promessas de campanha de Lula.